O escritor francês Roland Barthes dizia que da mesma maneira que existe um obscurantismo do saber, existe um obscurantismo do prazer. Ou seja: existem prazeres que ignoramos. Depois de escrever esta frase eu já ouço uma voz do além sussurrando no meu ouvido: “Mas eu não tenho saco para ler”. De fato, ler não é um prazer passivo como ver televisão, em que você aperta o botão e fica exposto a qualquer onda. Ler é um prazer que exige concentração, inteligência, imaginação: “Eu quero ensinar os jovens a ter saco de ler” – afirma com veemência a atriz Fernanda Montenegro, que esteve de passagem por Brasília, coordenando uma oficina de leitura de textos para atores, no Conjunto Cultural da Caixa.
Seduzir para o prazer da leitura é um programa permanente do Radcal. Por isso convocamos para esta edição a atriz carioca Fernanda Montenegro, o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade e o rapper paulista Sabotage. Se estivesse vivo, Drummond faria cem anos em 2002. Ele era um adolescente tímido, desajeitado e angustiado que aprendeu a rir de suas ridicularias e até a transformar a fragilidade em força através da poesia: “Quando eu nasci, um anjo torto / Desses que vivem na sombra, disse: / Vai Carlos, ser guache na vida”. Gauche é uma palavra francesa que significa excêntrico, marginal, à esquerda.
O mundo dos livro é tão democrático que nele podemos encontrar até uma deliciosa crítica ao excesso de intectualismo como estes versos do poeta português Fernando Pessoa: “Ai que prazer / Não cumprir um dever / Ter um livro para ler / E não o fazer! / Ler é maçada / O sol doira / Sem literatura / O rio corre, bem ou mal / Sem edição original”. Detalhe: Fernando Pessoa formulou a concepção do poeta como fingidor e lia um livro por dia. Só conseguiu escrever versos como tanta graça porque leu muito durante toda a sua vida. Em um país como o Brasil, o poema de Peessoa deve ser lido com senso de humor e não como programa de vida. Como programa de vida talvez seja melhor a gente adotar os versos do poeta alemão Bertold Bretch: “Você que tem fome, agarre o livro: é uma arma”.
Severino Francisco, editor da 24ª edição do Jornal Radcal