O que seria uma arte erótica em nosso tempo? Ao se deparar com uma de suas musas nuas, o poeta pernambucano Manuel Bandeira ficou tão extasiado, enlevado, embasbacado, fissurado, que, sem palavras, inventou um novo vocábulo para expressar sua experiência: alumbramento. Na escola, raramente temos contato com a dimensão erótica da poesia. Quase sempre só nos mostram aquarelas antigas do Brasil: “Minha terra tem palmeiras / Onde cata o sabiá / As aves que aqui gorjeiam, não gorjeiam como lá”. Parece que os poetas são seres feitos de nuvens, que nunca pensam em sexo, só se importando com pássaros que cantam em paisagens de cartão-postal.
Outro dia um repórter perguntou para uma atriz: “O que você acha dessa história de carne nova no pedaço?”. Ao que, ela respondeu: “Olha, você devia perguntar isso para o seu Manoel, o açougueiro, talvez a poesia tenha algo a nos ensinar sobre uma arte erótica e sobre uma atenção para com ser amado. Talvez o olhar amoroso da poesia possa escavar novas belezas no corpo: “A castidade com que abrias as coxas / e reluzia sua flora brava”, escreve o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade, que, quase no final da vida, publicou uma série de poemas eróticos. E o mesmo Manuel Bandeira citado acima escreveu: “Teu corpo é tudo que brilha / Teu corpo é tudo que cheira / Rosa, flor de laranjeira / Teu corpo, a todo momento o vejo / A única ilha do oceano do meu desejo”.
Mas, em tempos de Aids e outras doenças sexualmente transmissíveis, uma arte erótica não pode dispensar uma arte de viver e os respectivos cuidados com a prevenção. Por isso, o Radcal, em parceria com a Coordenação de DST/Aids do Ministério da Saúde, está publicando uma edição especial sobre a arte erótica e sobre a arte de se cuidar. E, neste sentido, é impressionante o artigo “Queria 4, mas só tinha 3”, de Augusto Noronha, um adolescente que participa de um projeto de educação sexual em Recife e na hora H esqueceu todas as recomendações e não usou a camisinha. Ele nos convida a uma reflexão sobre uma arte de viver, mostrando que a prevenção passa pela auto-estima, o projeto de vida, a superação de preconceitos dos papeis de homem e mulher e a preocupação com o outro: “A minha, a sua vida, formam um só diamante”, nos ensina o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade.
Severino Francisco, editor da 25ª edição do Jornal Radcal