Aos 18 anos, o jovem Gabriel Estrela descobriu algo que mudaria sua vida para sempre: o HIV. Na arte, ele encontrou o lugar para sair da depressão. Hoje, aos 24, ele é uma referência com o Projeto Boa Sorte e realiza palestras, participa de oficinas e acolhe dúvidas no seu canal no YouTube. Natural de Goiânia, Estrela faz teatro, canta, escreve e já passou pelas faculdades de comunicação, artes cênicas e até biomedicina. Por opção, não concluiu nenhuma. Seu trabalho contra o preconceito e a discriminação às pessoas que vivem com HIV/Aids contribui para a transformação da vida de muitos seguidores que o acompanham. É tanto sucesso que ele foi convidado para escrever e atuar na websérie “Eu só quero amar”, realizada numa parceria entre a Globo e o Unaids (programa da ONU que luta contra a epidemia da Aids).
Ele bateu um papo com a equipe do Radcal e você pode conferir agora!
Quando começou seu envolvimento com as artes?
GABRIEL – Quando a gente olha pra década de 1990, a maior resposta à Aids vinha das artes, artistas como Renato Russo, Cazuza, Caio Fernando Abreu estavam à frente na luta. O Caio foi o primeiro a escrever aids na literatura brasileira. Eu tinha 11 anos e comecei a fazer piano, sempre quis cantar. Por causa do canto eu comecei a me aproximar do teatro musical. Logo depois do meu diagnóstico, participei em Brasília do musical Rent [Broadway], que também fala sobre HIV. Quando terminou a temporada, tive depressão. Voltei ao teatro e nunca mais parei. A ideia que as pessoas têm da Aids é muito relacionada à morte. A arte dá uma oportunidade boa pra trabalhar o tema.
Como você descobriu que estava com HIV?
GABRIEL – A ampulheta é o símbolo do Projeto Boa Sorte. Virar a ampulheta é sinal de um novo tempo começando. Um mês antes do diagnóstico, eu achava que estava no pior azar da minha vida. Tive HPV, por causa disso fui fazer os testes, aí descobri. Parecia que tinha aberto um buraco no chão. Perdi o referencial completamente. Veio um sentimento claro de iminência da morte. Depois do diagnóstico eu comecei a trabalhar, estudava pra caramba, fiz Biomedicina. Um ritmo que eu nunca tinha tido. Um frenesi de trabalhar muito…Veio um sentimento de culpa também. Primeiro desespero, depois culpa.
Quando você resolveu tornar público que vive com HIV?
GABRIEL – Faz um ano e meio. Foi um processo longo. Hoje é fácil. Desde o começo, eu me incomodava muito em falar. Eu falava e rolava um silêncio. Eu tinha medo, mas me forçava a falar. Comecei a contar para médicos. Depois fui para o Encontro Nacional de Jovens Vivendo com HIV/Aids [2015], em Recife, mas fiquei incomodado porque não se falava de HIV no sentido pessoal, sempre se falava de política pública. Aí decidi sair do armário. O que tenho para compartilhar é minha experiência, não sei fazer um trabalho político. Contei no Facebook, fiz um “textaço”. As pessoas começaram a curtir, comentar, compartilhar.
Muitas pessoas escondem que vivem com HIV por medo do preconceito. Esconder ou assumir: qual a sua opinião?
Eu sofri muito preconceito sem apontarem um dedo pra mim. O estigma do HIV me massacrou. Tive um amigo que falou que a Aids é uma forma de controle populacional. Ao falar, eu me exponho, mas também me protejo. Cada porcaria que eu ouço, eu respiro fundo e penso: “vai ser meu próximo vídeo”. Nunca achei que as pessoas devam contar. São realidades diferentes. Eu não posso simplificar dizendo: existe uma fórmula de bolo. Pensar a respeito é importante. É complicado gente que não quer falar sobre isso nem com o próprio médico. Não trabalhar isso pode botar a pessoa num lugar ruim.
Você acha que as novas gerações estão mais informadas sobre o assunto ou ainda falta muito?
GABRIEL – A juventude acha que sabe de tudo e que pode fazer tudo. As pessoas sempre falam: use camisinha, use camisinha, use camisinha. Aí os jovens enjoam. Você não pode falar de sexo sem falar sobre afeto. Alguma forma de relação vai acontecer mesmo que seja uma rapidinha. Temos que saber falar do HIV sem ser chato.
Você chegou a discutir esse assunto na escola ou na família antes de viver com HIV? Você se considerava bem-informado sobre o tema?
GABRIEL – A única pessoa que fez comigo o que eu faço com vocês foi um professor de matemática que deu uma oficina sobre HIV na escola pouco antes do carnaval. Ele foi demitido uma semana depois. O resto foi nas aulas básicas de Biologia. Os professores precisam saber se relacionar.
De onde veio a ideia de fazer os vídeos e criar o seu canal no YouTube? Já é um sucesso, né?
GABRIEL – Eu comecei a fazer vídeo com a Malhação. A Globo e o Unaids fizeram uma campanha [2015]. Tinha um personagem com HIV na novela. Pipocou notícia sobre a PEP [pílulas de “profilaxia pós-exposição”]. Aí fiz um vídeo. Eu acho que jovem não para pra ler textão no Facebook”. Percebi que vídeos tinham maior engajamento.
O contexto político e econômico do país pode prejudicar as pessoas que vivem com HIV?
GABRIEL – A PREP [pílulas de “profilaxia pré-exposição”] é preventiva e protege do HIV. É bom para as “populações-chave”. A PREP foi anunciada que não vai chegar mais após o golpe [à presidenta Dilma Rousseff]. Estamos sofrendo várias ameaças ao SUS com a aprovação da PEC 55, que limita os gastos com saúde. Se hoje já temos a saúde sucateada, imagina com o corte dos gastos. Cortar gastos com saúde e educação para investir em propaganda é a mesma coisa que fizeram no holocausto, na Alemanha. O Brasil sempre foi muito bem visto, quando a gente começou a distribuir remédio de graça, achavam que a gente ia à falência, mas fazemos isso bem até hoje.
Quem é o Gabriel hoje?
GABRIEL – Momento Marília Gabriela [risos]. Eu escolhi falar sobre isso. Sou muito feliz e satisfeito com isso. Ouço histórias bizarras, choro pra caramba. Há dias difíceis. Ouço sobre abusos, preconceitos. Mas há um potencial transformador no trabalho que estou fazendo. Hoje sou muito feliz do jeito que sou, mesmo com HIV. Não é mais uma dor, é um instrumento de trabalho e transformação. Me transformei muito.
Ficou curioso/a e quer saber mais sobre HIV/AIDS e diferentes formas de prevenção? Conheça o canal do Projeto Boa Sorte no YouTube, siga o projeto no Facebook e Instagram.
Entrevista de Danilo Castro, da equipe Radcal
Giovanna Melgaço 15 anos, Henrique Bastos, 15 anos do Conselho Editorial Jovem do Radcal