Faz quase 20 anos que eu escrevi o texto de maior sucesso da minha vida aqui mesmo, neste jornal. Eu tinha 18 e narrei como foi a primeira vez que eu fui num motel. Detalhes sórdidos? Nada… o que tinha ficado daquele dia foi minha experiência de me ver nua num daqueles típicos espelhos de teto. Foi como, de repente e pra minha surpresa, me vi bonita naquela imagem, apesar de sempre ter tido problemas de aceitação com meu corpo por estar acima do peso.
Como foi bom, mesmo que por um instante, me ver sem as pressões sociais sobre meu corpo de mulher! Acho que o que faz todo mundo até hoje amar o texto é que todo mundo se vê na situação de não aceitar seu corpo em algum momento (ou vários!), mesmo discordando dos padrões sociais de beleza.
Aquele espelho fez muito mais gente se ver. Corta para hoje. Aos 37 anos, faz duas semanas que vesti meu primeiro shortinho pra sair na rua! Creiam, só-du-as-se-ma-nas, aos trin-ta-e-se-te-a-nos!!! Tá que não era comum usar shortinho em Brasília até uns dez anos atrás… mas eu moro há 12 anos no Rio, a capital nacional do shortinho desde sempre.
A verdade é que, como todo mundo, eu também carrego dentro muita coisa que não quero carregar. Tive aquele momento inesquecível e marcante lá no tal espelho, mas meu trabalho de tomar consciência das cobranças que eu mesma me faço e, principalmente, da minha beleza e da necessidade de ser gentil comigo mesma é diário e vai me acompanhar pra sempre. Sei disso e não fujo à luta! Minha última vitória, taí, vejam só, foi um simples shortinho.
O machismo prejudica mulheres e homens também, e o pior é que a gente introjeta ele desde muito cedo, sabe? A gente aprende tão direitinho e tão profundamente, numa idade em que nem tem consciência disso, que depois de um tempo, mesmo que a sociedade explodisse, nós mesmo continuaríamos ali pra nos cobrar, nos auto julgar e, claro, nos desaprovar. Por isso que eu acho lindo quando eu vejo as meninas de hoje assumindo seus cabelos, suas barrigas, pernas grossas, seus desejos, seu poder de se realizar! Vocês são lindas, vocês não andam, vocês desfilam… E fica a dica, meninos e meninas: nos pacificar com nossos corpos e aceitar nosso verdadeiro potencial como ser humano é uma tarefa pra todos os dias da vida! Você já parou pra pensar hoje nos condicionamentos e crenças que estão aí dentro e no que de verdade você é, quer e merece viver?
Memória Radcal: Leia o texto “O espelho tem duas faces” escrito pela Tais para a 18ª edição do Jornal Radcal, em dezembro de 1999.
Taís Peyneau é jornalista e brasiliense. Integrou o Conselho Editorial Jovem e ajudou a construir o Jornal Radcal.
A ilustradora francesa Cécile Dormeau faz gifs e desenhos de meninas com todos os tipos de corpos com uma visão super positiva. Seu trabalho é cheio de cor e mensagens de autoaceitação e feminismo.