Aos 22 anos, Carolina de Oliveira Lourenço, mais conhecida como MC Carol, nascida e criada em Nitéroi, no Rio de Janeiro, já é uma das funkeiras mais conhecidas em todo o país. Mulher negra, gorda e de periferia, ela não se encaixa nos padrões estabelecidos pela sociedade. E não está nem aí pra nada disso. Já foi capa de revista, estrelou campanha de marca famosa de cosméticos e tem uma agenda pra lá de apertada. Aos poucos, ela foi conquistando o público com sua simplicidade e ousadia. Uma de suas músicas de trabalho mais conhecida, “Não foi Cabral”, questiona a versão que conhecemos do descobrimento do Brasil e chegou a ser trabalhada em sala de aula por alguns professores. Já a canção “Delação Premiada” denuncia a violência policial. No seu mais recente trabalho em parceria com a rapper Karol Conka, “100% Feminista” fala da violência doméstica. A MC Carol ou Carol Bandida, como ela gosta de ser chamada, bateu um papo super bacana com a equipe do Radcal e falou sobre racismo, discriminação e feminismo. Saca só!
O que mais te marcou na sua adolescência?
Mc Carol – Eu lembro que houve época em que eu vi o Michael Jackson na TV, aquela parada de mudar de cor, e eu sofria muito na escola pelo fato de ser negra. Falei para o meu avô que me criou que queria ser branca, não aguentava todo dia briga. Levei um tapa na cara. Ele me disse para nunca mais falar disso. Isso foi um fato que me marcou, sei que o tapa na cara doeu mais nele do que em mim, com certeza. Meu avô era um cara branco do olho azul, casou com minha avó negra e ele falava que eu tinha que me aceitar e me amar do jeito que eu era e que não deveria mais falar que eu queria ser branca.
Até hoje você carrega um apelido de escola com você. Quando surgiu a Carol Bandida?
MC Carol – Esse apelido é de criança, as pessoas falavam: Nossa! Essa garota vai ser bandida quando crescer. Eu já tinha essa personalidade muito forte, de não abaixar a cabeça para ninguém, de querer sempre saber o porquê. Eu era assim desde criança, de sempre questionar. Eu acho que continuei assim. Eu só descobri atualmente que isso que eu sou tem um nome, que é feminista. Eu não sabia que tinha um nome para isso.
“Eu acho que toda criança negra quer ser branca. É mais fácil ser branca, é mais fácil ser homem. E eu via o caso do Michel Jackson e falava que queria ser branca. Acho que 95% das crianças negras, quando não entendem que não tem como mudar de cor, falam isso para os pais.”
De onde vem tanta força e personalidade?
MC Carol – Eu não aceito que as pessoas, por exemplo, achem que o negro tinha que está enjaulado, que o negro nasceu para ser empregado, que o negro é ladrão, tem que está preso. Eu não aceito, nunca aceitei. Em festa de família, todo mundo soltava piadinha para mim e eu rebatia. Acho que meu jeito autoritário vem dessa minha condição de não aceitar o que as pessoas querem impor para mim.
Como você vê a educação nas escolas públicas?
MC Carol – Complicado. Eu lembro da minha época de escola. Eu não terminei os estudos, eu saí. Eu sempre questionei muito, em casa, na rua e na escola. A professora colocava o assunto no quadro e eu não queria decorar, porque a pergunta poderia mudar na prova, só que o professor da escola pública quer que você decore. Decorou? Passou na prova? Está lindo! Eu não queria isso, queria saber o porquê. Porque Zumbi dos Palmares morreu? Porque o negro tinha que levar chicotada? Acho que eles querem que a gente decore.
Sobre as suas duas últimas músicas, que são extremamente políticas, o que te levou a falar sobre esses temas?
MC Carol – Eu fiquei milionária [risos]! Recebi críticas em minha página no Facebook de pessoas dizendo que uso o feminismo quando convém. Se eu quisesse realmente ganhar dinheiro eu cantaria melody, colocaria umas bailarinas atrás fazendo gracinha e rebolava a minha bunda, faria uma lipo, colocaria silicone, muito mais fácil. A música: Meu namorado é maior otário já é uma música feminista. Eu resolvi falar sobre delação, porque é uma coisa que toda hora a gente vê na televisão, a violência policial, que matou um garoto por achar que ele estava com o uma pistola, mas era o seu celular. Toda hora vemos isso, eu sempre quis escrever sobre esses assuntos, só que antes era perigoso falar sobre isso. Agora que não moro mais no Proventório, mesmo estando lá todo dia, moro próximo, em uma rua cheia de câmera. Então acho que agora seria o momento seguro para mim falar sobre isso. Já a música “100% feminista“, na minha comunidade é comum o homem bater na mulher, é normal. O homem quando trai a mulher é o cachorrão, a mulher quando trai é tudo de ruim. Então é muito normal, dentro da minha família também, não tem um nem dois casos de violência doméstica, e agora chegou o momento. Conheci a Karol Conka, chamei ela para somar com esse “bebê” que a gente criou, e é isso.
O que você poderia falar para as meninas, principalmente negras, que estão passando por uma fase de não aceitação?
MC Carol – Primeiro a autoaceitação, sendo mulher, gorda, preta. E não aceitar a opressão e submissão, não aceitar porrada de homem. Quanto mais mulheres falarem sobre isso na TV, nas músicas é melhor. Tem mulheres que acham que a vida acaba quando se casam, “vou morrer apanhando desse homem”. E não, gente, não precisa ser sustentada pelo homem, não precisamos ficar ao lado daquele homem só porque temos um filho com ele.
Você costuma ver e responder os comentários em suas redes sociais. O que mais te incomoda? O que você tem a dizer a essas pessoas que são racistas e preconceituosas?
MC Carol – O que mais me incomoda não é a mulher branca me recriminando. O que mais me incomoda é a mulher negra, gorda, que deveria estar lutando junto comigo. Isso é o que mais me incomoda. “Ah, Carol, essa música não é uma música feminista”, as minhas músicas são baseadas em fatos reais e eu vou continuar fazendo isso. Uma música não quer dizer que você seja aquilo. É toda uma vida. Será que aquela pessoa que está falando aquilo para mim é feminista na casa dela? Será que ela peita o marido dela quando ele manda ela tirar o short e colocar uma calça?
Que outras artistas mulheres te inspira?
MC Carol – Eu sou bem eclética, gosto de muita gente. Gosto de gente diferente para criar coisas diferentes, como Nina Simone, Alcione, Amy Winehouse, Beyonce, Rihanna. Vários tipos de músicas, francesa, espanhola, italiana. De alguma forma, ouvir essas músicas mexe comigo.
Carol, você prefere Toddy ou Nescau?
MC Carol – [Risos] Eu sou uma pessoa preguiçosa, e não tenho paciência para fazer o Nescau, acho o Toddy mais prático. Gosto de todos os tipos e o mais simples é o que funciona para mim.
Confira um trecho da música 100% Feminista
Presenciei tudo isso dentro da minha família
Mulher com olho roxo espancada todo dia
Eu tinha uns cinco anos, mas já entendia
Que mulher apanha se não fizer comida
Mulher oprimida, sem voz, obediente
Quando eu crescer eu vou ser diferente
Eu cresci, prazer carol bandida
Represento as mulheres, 100 por cento feminista
Eu cresci, prazer carol bandida
Represento as mulheres, 100 por cento feminista
Represento aqualtune, represento carolina
Represento dandara e xica da silva
Sou mulher, sou negra, meu cabelo é duro
Forte, autoritária
E às vezes frágil, eu assumo
Minha fragilidade não diminui minha força
Eu que mando nessa porra
Eu não vou lavar a louça
Sou mulher independente não aceito opressão
Abaixa sua voz, abaixa sua mão
Entrevista feita por Ionara Silva (editora do Radcal) e pela galera do Conselho Editorial Jovem do Radcal, Bianca Evelly (15 anos), Cássia Cavalcanti (17 anos), Gilvan Santos (16 anos), Giovanna Melgaço (15 anos), Isabela Luduvichack (18 anos), Rafael Santz (18 anos) e Raynara Cérfane (17 anos).