“Patti, ninguém vê as coisas como nós”. De uma só vez, Robert confessava uma certeza e invocava o compromisso que unia os dois. Patti Smith e Robert Mapplethorpe foram amigos, amor da vida um do outro, “partners in crime”.
Ele rompeu com o pai, deixou a igreja e abraçou o desejo de viver apenas para a arte. Ela saiu de Nova Jersey com um livro de Rimbaud na mala, nada no bolso e o sonho de ser artista. “Ninguém estava me esperando. Tudo esperava por mim”.
Se encontraram em Nova York no verão de 67 e a vida nunca mais foi a mesma. “Acho que você não tem cara de Bob. Tudo bem se eu te chamar de Robert?”. Batalharam legal para sobreviver. Eram pobres, livres e felizes. “In poverty, my love, we have everything”. Compartilhavam tudo. Como não podiam pagar por duas entradas nos museus e cinemas, se revezavam nas visitas. Depois contavam tudo para o outro. “Um dia a gente vai entrar junto, e a exposição vai ser nossa”. Robert nunca duvidou.
No final da década de 60, Nova York era a terra prometida dos sonhadores. Todos eram artistas e não eram nada. Todos estavam tentando fazer/ser alguma coisa. E aquele era o melhor lugar – e o melhor momento – para apostar. Explodia uma nova cena cultural. Os encontros eram inevitáveis. Todo mundo se esbarrava por ali: Hendrix, Joplin, Warhol, Dylan. Deuses acessíveis.
Robert e Patti vibravam na mesma sintonia, se alimentavam da cidade. Eram jovens e incansáveis. Desenhavam e experimentavam caminhos. Eram parceiros de trabalho, ajudantes, confidentes. O “vocabulário visual” dele se conectava com o “vocabulário poético” dela. Patti percebeu que as palavras dos seus poemas ganhavam mais força com a música. E, de repente, sem nunca imaginar, se transformou em cantora. Seu álbum “Horses” é um manifesto, é um dos discos mais importantes do século passado. Robert começou a fazer alguns experimentos com esculturas, colagens de revistas eróticas e logo começou a fotografar. Seu trabalho é radcal: questiona o gênero, liberta o corpo, celebra o erotismo… consagra o sexo em arte.
Ninguém via e sentia mesmo as coisas como eles. Robert se apaixonou por outro escorpiano: Sam Wagstaff. Ambos de 4 de novembro. Patti conheceu Fred “Sonic” Smith, famoso ex-guitarrista da legendária MC5, e se casaram. Ambos Smith. E foi uma foto do casal com os filhos a última feita por Robert antes de morrer, em 89.
Robert e eu ainda mantivemos nossa promessa. Ninguém abandonaria ninguém. Ele foi o artista da minha vida.
Patti prometeu a Robert que escreveria um livro contando a história dos dois. Lançado em 2010, “Só Garotos” é uma declaração de amor, um livro que todo mundo deveria ler em algum momento da vida. A HBO lançou no ano passado o documentário Look at the Pictures que conta a história e a grandiosidade do trabalho de Robert Mapplethorpe.
Confira a playlist com as músicas que embalaram a vida dos dois em Nova York e são citadas no livro “Só Garotos”.
Texto de Silvia Bertoldo Guerreiro e Marcos França