Promover a saúde mental e emocional no ambiente escolar é medida essencial ao pleno exercício dos direitos humanos das crianças e adolescentes
Navegar pelo campo da psique não é fácil, precisamos estar abertos a milhões de descobertas que fazemos ao longo de nossas vidas, mais especificamente na nossa juventude, momento esse que nos confronta com o mundo real. Saímos de nossa zona de conforto familiar, escolar e até de nossas referências pessoais. Mas calma, tudo há seu tempo e sua hora. Precisamos falar de nossa saúde mental assim como falamos de nossa saúde física. E para ajudar você a entender um pouquinho sobre esse assunto, nós consultamos dois especialistas no tema juventude e desenvolvimento.
De acordo com o especialista do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva da Universidade do Vale do Rio dos Sinos – UNISINOS, Adriano Caetano*, nos últimos anos os adolescentes estão sendo chamados cada vez mais cedo para decidir sobre seu futuro e suas perspectivas de vida. “No meio de tudo isso eles estão recebendo vários tipos de informações para além dos espaços de educação formal, como exemplo, a internet. Essas estratégias produzem uma cobrança nos adolescentes que eles ainda não estão preparados para decidir causando vários problemas”, disse. Para Adriano, o cuidado com a saúde mental passa por diversos aspectos na vida do adolescente, principalmente a família e a escola. Sobre isso, o sociólogo afirma que essas referências impactam nem sempre de forma construtiva no universo desses jovens.
O papel da escola
O ambiente escolar tem sido o lugar onde mais se reproduzem preconceitos e violências, o chamado Bullying. O termo da língua inglesa (bully = “valentão”) se refere a todas as formas de atitudes agressivas,verbais ou físicas, intencionais e repetitivas, que ocorrem sem motivação evidente e são exercidas por um ou mais indivíduos, na escola, causando dor e angústia, com o objetivo de intimidar ou agredir outra pessoa sem ter a possibilidade ou capacidade de se defender, sendo realizadas dentro de uma relação desigual de forças ou poder. “A discriminação produzida nos sujeitos considerados “diferentes” inclui no mesmo guarda-chuva o preconceito contra mulheres, negros, gordos, LGBTs, pessoas com deficiência, pessoas em situação de rua”, afirma.
Estima-se que, em todo o mundo, cerca de 20% dos adolescentes tenham problemas de saúde mental ou de comportamento. A depressão é o principal fator isolado que contribui para a carga mundial de doenças em meio a indivíduos de 15 a 19 anos; e o suicídio é uma das três principais causas de mortalidade em meio a indivíduos de 15 a 35 anos de idade. O número de adolescente que cometem suicídio é maior comparado ao que tentam, cerca de 40%. Esses números vêm aumentando gradativamente, nos últimos 20 a 30 anos (Dados da Organização Mundial da Saúde).
A escola tem um papel fundamental na vida dos adolescentes. Para Caetano a ação pedagógica que a escola poderia fazer seria seguir os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN). “Mesmo com todos os problemas, enfrentaria o debate dos temas transversais no seu cotidiano e, não, em eventos pontuais como costuma ocorrer. Esses temas precisam ser discutidos e debatidos em espaços de formação para se trabalhar de uma maneira pedagógica a desconstrução desses preconceitos” destaca.
Escolas que promovam a inclusão social com foco na saúde mental e emocional, por meio de estratégias como a sensibilização de professores e pais, fortalecem as habilidades emocionais dos adolescentes e jovens. Mas será que a escola está preparada para isso? Quantos encontros entre professores e pais a sua escola já promoveu?.
Promover a saúde mental e emocional no ambiente escolar é medida essencial ao pleno exercício dos direitos humanos das crianças e adolescentes, fazendo da escola um lugar saudável, propício ao bem-estar, crescimento e desenvolvimento de crianças e adolescentes no Brasil e no mundo. Tais medidas viriam não apenas a prevenir psicopatologias, mas irradiariam positivo impacto no processo de aprendizagem e formação cidadã.
E o papel da família?
A médica pediatra e de adolescentes, doutora em medicina, pós-doutora em Saúde Pública, Stella Taquette, acredita que dos fatores ligados aos adolescentes no campo da saúde mental, a família é a maior influenciadora, principalmente nos primórdios da vida, quando se constrói o alicerce emocional que dará as condições aos adolescentes para enfrentarem as diversidades que encontrará em outros ambientes.
A estigmatização da saúde mental no Brasil e no mundo faz com que muitas vezes se esconda ou ignore o problema e, em alguns casos, o silêncio faz com que a família e o adolescente não busquem ajuda. Para Stella a família deve estar atenta ao comportamento dos adolescentes para que possa assim buscar ajuda para a superação dos problemas. Normalmente nesse período há um distanciamento entre pais e filhos, necessário para que os adolescentes adquiram sua própria identidade. É comum se trancarem no quarto e evitarem conversar com os pais. Isso deve ser respeitado. É uma época em que estão vendo o mundo de outra forma, mais real, menos fantasiosa e estão refletindo sobre seus próprios valores. É a etapa também de desenvolvimento rápido do corpo e dos caracteres sexuais, o que lhes provocam grandes angústias.
O adolescente que sofre algum transtorno mental ou depressão dificilmente verbaliza que não está bem e que precisa de ajuda. Ele demonstra o sofrimento psíquico de formas indiretas e variadas. Para percebê-lo, é necessário que as pessoas que convivem com ele estejam atentas.
O sofrimento psíquico de um adolescente pode ter diversas causas e ser exteriorizado de diferentes maneiras: dificuldades na alimentação (comer demais ou de menos), no sono (insônia ou dormir muito), no campo da sexualidade, isolamento social (não ter amigos, não querer sair de casa), choro frequente, automutilação, problemas na escola, descuido excessivo com a aparência e a higiene corporal, comportamento antissocial, delinquência, uso de drogas, entre outros. Diante desses problemas a família deve procurar conversar e ouvir o adolescente em suas inquietações e buscar ajuda com profissional de saúde. Após a avaliação, se necessário, o adolescente pode ser encaminhado a um profissional de saúde mental. A família não deve postergar essa procura, pois os transtornos psíquicos podem ter consequências graves, entre elas o suicídio. Uma tristeza profunda não deve ser minimizada ou ignorada e achar que vai passar com o tempo. Precisa de atuação terapêutica urgente por parte de profissionais da saúde mental.
Reportagem de Mariana Karilena, da equipe Radcal
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